quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Fé, ciência e medicina: entre aproximações e distanciamentos

Historicamente, a relação entre Ciência e Fé tem passado por várias fases, hora por distanciamentos, hora por alianças. Em se tratando da Medicina, muitas foram as evoluções tecnológicas e científicas, a exemplo da terapia gênica e da clonagem. No entanto, ainda que representem progressos nas formas de tratamento, vez por outra, ainda produzem afastamento por porte daquela parcela da sociedade que permanece acreditando na influência da fé na cura de certas doenças. 
Todavia, uma outra questão que surge ainda mais latente é, como  falar de espiritualidade com um indivíduo de forma ética, sem passionismo religioso e com decoro? 
Nem de longe, parece-nos que o estabelecimento de regras e tratados de procedimentos comuns possam dar conta de satisfazer a amplitude desta questão, dado o caráter pessoal e individualista que agrega em si, além das inúmeras circunstâncias a serem consideradas. 
Sabe-se no entanto que, muito estudos dão conta de que a manifestação da espiritualidade pode afetar a saúde de forma detectável pela ciência, ou seja, é possível demonstrar que os aspectos psicológicos, sociais e religiosos da vida humana podem afetar o corpo físico. Tamanha é aproximação que, conforme aponta Koenig (2012, p. 07),  “hoje, existe um campo que vem crescendo bastante, chamado psiconeuroimunologia – intimamente relacionado à “medicina psicossomática” – que analisa como as experiências mentais e sociais podem afetar aspectos da saúde física.”
Um corpo saudável é aquele em pleno gozo de sua saúde mental, de suas funções imunológicas e endócrinas, bem como, suas funções cardiovasculares, com níveis de estresse equilibrados e que as anormalidades comportamentais de algum destes sistemas costumam provocar áreas de deficiência e em estágios mais avanços, agravos em forma de doenças físicas.
Se analisarmos o caso específico das nações ocidentais até o início do século passado, veremos a predominância de uma cultura balizada em pensamentos lineares e causalistas, onde o encantamento com avanços tecnológicos, configuram um consequente isolamento, quiçá, estímulo aos conflitos entre as questões espirituais e o pensamento científico. Notadamente, a década de 1950, trará ares renovadores à estas visões deterministas, pois como nos afimam Tillmann e Oliveira (2004, p. 55):

“É, em nosso entender, provável que as manifestações religiosas de Einstein, primeiramente expressas nos anos 1950, sejam, de parte do mundo científico da modernidade, um dos primeiros passos facilitadores desta aproximação. Nesse então, Einstein referiu que um cientista podia, efetivamente, ser um homem religioso. Ele, por exemplo, acreditava em uma perspectiva “cósmica, não antropomórfica”, de Deus. Apontava aí que o antropomorfismo era uma necessidade do homem comum para a religiosidade e suas interfaces com a Medicina, a Psicologia compreender a divindade. O cientista iria por outro caminho, mais abstrato, menos sincrético. Mas, ambos, sujeito da multidão e sujeito de ciência, podiam ver-se irmanados ante a circunstância divina. 

Num primeiro momento e dada a notabilidade de Einstein no campo científico, tem-se a impressão de que o mundo moderno saberia como lidar simultaneamente com espiritualidade e ciência. Vale lembrar que para a ciência constituir-se enquanto área de domínio disciplinar, precisou romper paradigmas dogmáticos impostos pela religiosidade que davam conta de explicações naturalizadas ou de ordem divina para os acontecimentos cotidianos ou fenômenos circunstanciais, sendo portanto,  considerados inquestionáveis. 
Parece que em outras áreas, esta aproximação aconteceu de forma mais espontânea que na medicina, já que as atitudes médicas continuam tratando saúde e doença apenas sob seu viés antagônico, conforme apontam os estudos realizados por Diniz (2006, p.)

(...) a saúde seria o pleno exercício dessa normatividade e a doença sua falência. A vida, não sendo fundada por nenhum princípio que a transcende, é o fundamento de todos os princípios e o limite a qualquer outra realidade. A vida humana é o objeto da prática médica; a medicina “existe como arte da vida e porque há homens que se sentem doentes e não porque existem médicos que os informam de suas doenças – o Pathos é anterior ao Logos. O médico tomou, explicitamente, o partido do ser vivo; ele está a serviço da vida, e é a polaridade dinâmica da vida que ele expressa quando fala em normal e patológico”

São inegáveis os numerosos os progressos científicos na medicina e no campo da biologia, juntamente com o crescimento assoberbador de conhecimentos. Ao final, o que se percebe é a necessidade de subespecializações.
Há que se dizer que, quando um médico opta por enxergar holisticamente o paciente que se encontra sob seus cuidados, é comum que seja alvo de estranhamento por parte dos colegas de profissão, sobretudo, em se tratando daqueles que concebem que as consultas médicas não devam atender o global, oferecendo ao paciente muito além da resolução de problemas físicos, psíquicas e espirituais. 
Além disso, ainda que a racionalidade médica reconheça a pessoa enferma como um indivíduo único, singular, dotado de capacidade auto-restauradora, bem como, os benefícios representados pela espiritualidade, ainda carece de evidências sólidas e substanciais.
Recentemente, vemos o termo espiritualidade ampliado para incluir conceitos psicológicos positivos, como significado e propósito, conexão, paz de espírito, bem-estar pessoal e felicidade. Porém, ao considerarem a complexidade e o tempo médico que seria requerido para poder tratar em profundidade os pacientes, vários autores mostram-se reticentes em, diretamente, prescrever um envolvimento médico amplo que considere a abordagem de temas espirituais durante as consultas.

REFERÊNCIAS  

KOENIG.Harold G. Medicina, religião e saúde: o encontro da ciência com a espiritualidade. Disponível em http://imagens.travessa.com.br/capitulo/L_PM_EDITORES/MEDICINA_RELIGIAO_E_SAUDE_O_ENCONTRO_DA_CIENCIA_E_DA_ESPIRITUALIDADE-9788525427199.pdf ), acessado em 02 de dezembro de 2016.


TILLMANN. Ieda A.; HORTA, Cristina L. OLIVEIRA. Flávio M. de. A religiosidade e suas interfaces com a medicina, a psicologia e a educação: o estado da arte. p.53 - 67  in Espiritualidad e qualidade de vida. Disponível em http://biblioteca.unilasalle.edu.br/docs_online/livros/espiritualidade_e_qualidade_de_vida.pdf#page=54, acessado em 02 de dezembro de 2016. 

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