Nós da Educação, sobre a construção do
Projeto Político Pedagógico
Entrevista com Ilma Passos Alencastro Veiga
(Pós-Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas)
(Pós-Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas)
A
literatura sobre o Projeto Político Pedagógico só começou a surgir com mais
ênfase após apromulgação da LDB, em 1996. O PPP nada mais é que um processo de
tomada de decisões democráticas. É um movimento que deve ser participativo, um
movimento coletivo. O projeto, ao mesmo tempo que constrói este movimento, dá a
ideia de que deve ser vivenciado por professores, alunos, funcionários da
Escola, representantes da Comunidade Escolar: todos participam da concepção,
todos executam e todos avaliam.
Na
história da Educação, a própria palavra não vem da Educação. Somente com a LDB
é que a palavra Projeto é assumida pela educação, passando a falar-se m Projeto
Político Pedagógico. O Político denota a influência de Paulo Freire. O ato
pedagógico está interligado ao político e vice-versa.
O
PPP pode ser concebido dentro de duas perspectivas: numa perspectiva técnica é
mais um modismo. Surge por força de lei e vira um modismo. Acabou o modismo,
todo mundo esquece. Se o PPP chega dentro de uma perspectiva técnica,
burocrática e de uma visão de educação mais conservadora, hoje, ele está se
tornando indispensável. E numa perspectiva mais edificante, o PPP é
emancipador, está calcado num princípio de educação enquanto prática social e
que emancipa o homem. Tem um compromisso com os princípios ou com as
finalidades da educação brasileira, expressas hoje no artigo segundo da LDBEN que diz que é o
pleno desenvolvimento do aluno, o preparo para a cidadania e o exercício para o
trabalho. Então, PESSOA, CIDADANIA E TRABALHO é o compromisso maior que o PPP
deve ter. Há um compromisso com a qualidade formal e com a qualidade política.
A qualidade formal é no sentido de garantir às escolas as estruturas, as
condições físicas, administrativas e de equipamentos para o funcionamento e a
qualidade da educação. Do ponto de vista político, o compromisso do PPP é com a
qualidade da educação para todos, sabendo que os governos tem tido um esforço
muito grande para democratizar o acesso à Escola, mas ainda não conseguimos a
questão da qualidade da educação e muito menos, a questão da permanência. Ainda
temos uma grande defasagem idade/série, temos ainda muita repetência e muita
evasão.
Esse
compromisso do poder público com relação à qualidade política é um compromisso
que vem sendo perseguido pelos diferentes governos do país.
Como o PPP pode colaborar
para a qualidade na Escola?
O
PPP, sendo trabalhado no bojo de uma concepção democrática e emancipatória e a
própria legislação brasileira coloca bem claramente que a gestão democrática se
dá através de diferentes mecanismos colegiadas dentro da Escola e o primeiro
que ele coloca é a questão da eleição do diretor, mas não fica só por aí.
Também temos outros mecanismos que a própria LDBEN coloca que é a questão do
conselho escolar, o Conselho de Classe, as APMS, os grêmios estudantis para que
o aluno tenha um espaço para além da sala de aula para o desenvolvimento de
lideranças. O Brasil é um país sem liderança. A nossa liderança é hereditária e
com isso perdemos o espaço para criação de lideranças quando você fecha o
Grêmio Estudantil. Qualidade está ligada a uma participação maior da
comunidade.
Qual a diferença entre um
PPP de uma escola pública para o de uma escola privada?
Uma
é regida pela própria mantenedora e que
tem a sua autonomia para definir estratégias de desenvolvimento e de elaboração
do projeto. E temos a Escola pública,
regida pelo Poder Público, com sistema de manutenção diferente. Quando a LDB
coloca a questão da Gestão Democrática, refere-se ao ensino público. Todavia,
ao passo que o PPP passa a agregar as pessoas, faz com que as instituições
tenham força. Se eu elaboro, executo e avalio, eu também sou dona deste
projeto. Ali passa a conter parte da minha trajetória, das minhas
argumentações, ideias e a gente defende as ideias.
Quais são os objetivos do
PPP?
O
projeto tem alguns objetivos: Ele tem que gerar a identidade da Escola e daí a
sua singularidade. Cada escola possui uma realidade, um alunado, uma
arquitetura diferente. O segundo ponto importante é que a Escola tem que
inovar, gerar um novo tipo de ensino para a produção de conhecimento,
considerando o aluno como produtor deste conhecimento. A Escola se abre para
dar voz para o aluno e este é o ponto de partida para a inovação das
metodologias. O professor precisa considerar que o aluno possui uma trajetória
de vida.
Um
terceiro aspecto é que o PPP tem o poder de desvenlar os conflitos e
contradições que permeiam o processo educativo que ocorre dentro da Escola. O aluno,
realiza a leitura de mundo, entendendo o que se passa na realidade social e que
interfere no seu processo de formação.
E finalmente, o objetivo de avaliação. Hoje,
recebemos uma avaliação externa, feita por órgãos externos à Escola. A Escola
tem de desenvolver esta capacidade de se avaliar, seja suas condições de
trabalho, seu processo, as ações pedagógicas desenvolvidas. No meu ponto de
vista, são quatro grande objetivos seriam: identificação, inovação, avaliação e
politização.
De
que forma a LDB institui o PPP?
A legislação em seus artigos 11, 12 e 13
trata sobre o Projeto, que deve ser feito pelos estabelecimentos de ensino,
seja sob a forma de Projeto ou de Proposta Pedagógica, não havendo diferenças
entre ambas as designações. Ao falar sobre a incumbência dos profissionais da
educação, chama a atenção para a importância de que o PPP seja construído sob a
ótica da participação e isso é um avanço. Mais a frente, nos artigos 14 e 15,
fala sobre a Gestão Democrática, fortalecendo ainda mais o princípio da
participação e estabelece os princípios da autonomia da Escola: autonomia
financeira, pedagógia e administrativa. Aí, reside o grande diferencial entre a
Escola Pública e a Escola Privada. Enquanto a Escola Pública tem uma autonomia
pequena do ponto de vista financeiro porque ela tem uma manutenção por parte do
governo. Em se tratando de sua autonomia pedagógia e administrativa, é um
processo de construção.
Burocracia
x Operacionalização: como se dá esta relação no PPP?
Trata-se de uma relação complicada
porque o PPP começa com a leitura da prática da Escola, ou seja, começa fazendo
um retrato da Escola. Exatamente quando eu levanto os problemas (pedagógicos,
administrativos, burocráticos, financeiros, problemas com relação ao
desenvolvimento de pessoal, de professores) que a Escola encontra no seu
processo de desenvolvimento da Educação, evidentemente que é necessário
estabelecer prioridades, já que a Escola não vai dar conta de resolver todos os
problemas, já que alguns fogem da esfera de resolução da própria Escola. Definindo
prioridades, eu estabeleço obstáculos, forças restritivas que tem dificultado o
desempenho de qualidade da Escola. Então aí, entre a tomada de decisões e a
operacionalização, é preciso prever encaminhamentos para reduzir estes espaços
de encaminhamentos que reduzam estes sofrimentos, conflitos e tensões.
Quais
são os elementos que precisam ser observados na organização, no desenvolvimento
e na avaliação de um PPP?
Estabelecer
as finalidades - É preciso desenvolver o
aluno em sua integralidade, sua cidadania e qualificação para o trabalho.
Então, a Escola deve se perguntar quais são as formas pelas quais tem procurado
atingir estas finalidades da LDB.
Avaliar
é a questão do currículo - o início da
década de 90, tivemos um currículo definido em âmbito nacional, os chamados
Parâmetros Curriculares Nacionais sem considerar as questões das
especificidades regionais. Como a Escola organiza curricularmente os conhecimentos,
a partir do artigo 26 da LDB, estruturado disciplinarmente. O Estado define políticas
orientadoras, não políticas definidoras de ações, mas quem concebe a forma como estas serão empregadas no
cotidiano é o professor que está em sala de aula, que vivencia a realidade da
escola onde atua. Traz o tom da prática, o tom da realidade mesclada à teoria.
A
gestão administrativa e pedagógica da Escola.
O
tempo escolar - regulamentado em 800 horas letivas, um tempo cronometrado para as
salas de aula.
As
relações de trabalho – que devem ser primadas na solidariedade, na
co-participação
A
avaliação - vinculada a auto-avaliação, que partem da própria Escola.
O
PPP ajuda a compreender a educação regionalizada?
Sim, porque uma das características do
PPP é exatamente a identificação da
Escola e o que buscamos nesta ideia, é que a Escola mostre a sua marca,
sua cara, suas singularidades, sua vocação, a forma como trabalha com os
alunados daquela região em que se insere. Desta forma, o projeto é inconcluso e
ondicionado à formação continuada de professores, significa que constantemente,
precisamos estar constantemente o revisitando.
Como
se relacionam as dimensões técnicas, políticas e sócioculturais quando o
assunto é PPP?
A
parte técnica do Projeto, (a sua organização, elaboração, avaliação, ou seja, o
conteúdo do projeto), parte política
(compromisso com a intencionalidade que deve estar diretamente ligada ao
desenvolvimento pleno do aluno, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho: sujeito,
pessoa, educando e trabalhador: aí reside o compromisso do PPP com esta
intencionalidade) e a questão do social é considerar que a Escola pública
atende hoje uma parcela da população que até então não tinha acesso à Escola.
Há uma diversidade cultural muito grande adentrando à Escola.
No
entanto, no caso da violência por exemplo: não compete à Escola a resolução
deste problema. Ela precisa de parcerias, mecanismos para atendimento destas
questões que extrapolam a sua capacidade de intervenção direta. A Escola tem
uma parcela de responsabilidade quanto às questões sociais, mas há um limite. É
papel da Escola trabalhar as questões que preocupam a sociedade como
drogadição, sexualidade precoce, violência, etc., mas não compete a ela
resolver estes problemas, apenas prestar esclarecimentos. Para isso, existem
outros setores públicos que devem andar em parceria com a Escola para resolver
questões desta natureza.
O
professor passou a assumir papel que não lhe compete, a sociedade joga nas
costas da Escola doses de responsabilidade que muitas vezes não lhe competem!
Aí entra o PPP, que no campo das operacionalizações, uma vez que levantadas
estas questões problemáticas, deve estabelecer quais os órgãos que lançarão
esforços para auxiliar na resolução destas questões.
O PPP atua como uma forma de
reconstituição do campo do poder dentro das Escolas? Como se dá este processo?
A
gestão autoritária, centrada na pessoa do diretor, que antecedia a Gestão Democrática,
foi substituído por ideias de instâncias colegiadas para operacionalizar os
mecanismos da gestão democrática. Entre estes mecanismos, o primeiro que
aparece é a eleição para diretor, além disso temos a formação de Conselhos
Escolares. Quando a Escola utiliza bem a ideia de conselho escolar, há um
empoderamento de todos os participantes. O resgate dos Grêmios Estudantis
também é um espaço para que o aluno tenha voz para além da sala de aula, para a
criação de novas lideranças além daquela hereditária. Os Conselhos de Classe e
as Associações de Pais e Mestres também são formas de melhor distribuir o poder
dentro das Escolas.
Como se dão as relações entre as
instituições educativas no contexto social?
No contexto
social, se você tem a APM, essa associação estaria ligando com a comunidade. Já
o Conselho Escolar possui representantes diretos desta comunidade. A escola,
inserida numa realidade social, precisa ter um vínculo a ponto de saber o que
esta realidade social tem que pode fazer
intersecção com o papel da Escola no movimento deste PPP. Esta participação por
parte de todos é preciso que todos os atores sintam-se acolhidos pelos espaços
escolares. O conceito de família mudou e a Escola precisa encarar isso,
enfrentar estas questões que são sociais e que também merecem espaço para
debates. Muitas vezes, os responsáveis
não conseguem acompanhar a vida escolar de seus filhos, por exemplo. Essa é uma
questão que compete a Escola encontrar mecanismos de comunicação que
possibilite estas trocas, caminhos que estejam de acordo com a clientela que
lida. Não é tarefa fácil, mas é importante este movimento que aproxime à
família da Escola.
De que maneira a educação colegiada
influencia a elaboração do PPP?
O PPP
precisa ser construído a partir do chão da Escola e isso implica que vários
muros que impedem a relação coletiva da Escola sejam derrubados. O PPP é um
grande guarda-chuva dentro da Escola porque tem de ser desdobrado em vários
planos de ensino de acordo com a quantidade de disciplinas que se ministra já
que é na sala de aula que o PPP se concretiza. Esse nível de coerência é muito
importante, sobretudo quando todas as disciplinas correlacionam-se
horizontalmente. A participação ativa de todos os professores, colabora com
visões diferenciadas. Esta visão de professor participante, permite a
coletivização das ações.
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