sexta-feira, 5 de junho de 2015

Reflexões acerca da Corporeidade à luz do filme Inteligência Artificial



O início pós-apocalíptico retratado no filme Inteligência Artificial (que ao longo da história vai se constituindo como uma espécie de fábula científica, orquestrada magistralmente pela utilização maciça de recursos computacionais), propõe uma questão paradoxal: se compete à tecnologia ser o suporte fundamental para continuidade da existência humana neste contexto catastrófico, por que não se utilizar da mesma para suprir o vazio emocional das pessoas?
A partir de então, o expectador vê-se envolvido por cenas que propõe constantes discussões filosóficas, éticas e científicas que ora viajam pelo lado negro da natureza humana e suas possessividades, ora mesclam-se a fatos rotineiros do convívio familiar. 
O desejo humano de construir máquinas capazes de reproduzir a capacidade humana de pensar e agir vem de muitos anos. Todavia, essa automação se reveste de caráter inovador quando se leva em consideração a única capacidade até então, genuinamente humana: amar.
Então, perpassando por cenas que parafraseiam o personagem Pinóquio das histórias infantis, David (um produto-filho-perfeito, um robô humano em fase experimental) vai se aventurando por situações em diferentes ambientes, luxuosos ou degradantes, incutindo charadas metafísicas ao expectador, como por exemplo: todos os desejos humanos encontram satisfação no consumo de produtos disponibilizados no mercado? O amor está inexoravelmente condicionado à perfeição para ser vivido a pleno? Qual o limite entre o amor e a possessividade?
Em se tratando de corporeidade, a cena do filme que poderia ilustrar a consciência necessária de sua composição pode ser observada quando os robôs passam a compor uma espécie de favela, às margens de um ferro velho, buscando pra si, partes que se encaixam às suas estruturas corpóreas. Analisando apenas sob o caráter descritivo desta sequência, incorremos num erro comum aos ambientes escolares: a percepção existencial dos sujeitos  condicionada exclusivamente à sua materialidade, segundo padrões convencionais, cartesianos e a-relacionais.
É interessante perceber que, sendo frutos da criatividade, os robôs que aparecem ao longo do filme possuem,  em sua estruturação física, traços ligados à esperteza, a agilidade e a funcionalidade, mas sua existência consciente só se concretiza nas ações interativas com o meio, tal qual acontece com os seres humanos ao darem-se por conta da dimensão de sua corporeidade.
Este caráter interacionista entre corporeidade e as percepções com o meio tem se revestido de gigantesca funcionalidade no contexto globalizador dos dias atuais, nas mais diferentes esferas sociais. Neste sentido, é fundamental que as instituições escolares procurem pensar em formas de superação destas dicotomias entre corpo e mente, versadas na constituição de seus parâmetros existenciais. A ideia de linearidade perceptiva se torna completamente obsoleta ao passo que o corpo e seus movimentos centralizam as reflexões filosóficas e científicas, traduzindo-se em organizações transdisciplinares de diferentes áreas do conhecimento.
Ao contrário dos robôs onde o processo de assimilação acontece por critérios mecânicos ou de aprimoramento, é importante que a Escola dê-se por conta de que sua principal razão existencial se fundamenta em seres humanos concretos, de corporeidades ativas, cujos processos cognitivos e vitais devem ser concebidos como indissociáveis.
O ensino formal, concebido enquanto contínuo processo de aprendizagem, reinventado nos retrocessos e nos desafios, traduz-se em uma Escola que prioriza o fenômeno do conhecer enquanto processo vital
E sobretudo, é importante ter-se em mente que não há indivíduos perfeitos, de estratégicas de ação únicas e lineares, que não envelheçam, que não adoeçam, que amem incondicionalmente, como àqueles seres autômatos e futuristas que perfazem a história do filme, tampouco as epopéias da vida real traduzem o eterno e irreversível “felizes para sempre” dos contos de fadas.
A construção de uma escola sob estes moldes é um processo gradativo, paulatino, onde a coletividade das ações, seus encontros e intercâmbios, passa a ser fundamental para a sua real efetividade.

REFERÊNCIAS


Filme :  A.I. - Inteligência Artificial. Ano  2001. Direção Steven Spielberg. Tempo: 2:20 h 

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