O início pós-apocalíptico
retratado no filme Inteligência Artificial (que ao longo da história vai se
constituindo como uma espécie de fábula científica, orquestrada magistralmente
pela utilização maciça de recursos computacionais), propõe uma questão
paradoxal: se compete à tecnologia ser o suporte fundamental para continuidade
da existência humana neste contexto catastrófico, por que não se utilizar da
mesma para suprir o vazio emocional das pessoas?
A partir de então, o
expectador vê-se envolvido por cenas que propõe constantes discussões
filosóficas, éticas e científicas que ora viajam pelo lado negro da natureza
humana e suas possessividades, ora mesclam-se a fatos rotineiros do convívio
familiar.
O desejo humano de construir
máquinas capazes de reproduzir a capacidade humana de pensar e agir vem de
muitos anos. Todavia, essa automação se reveste de caráter inovador quando se
leva em consideração a única capacidade até então, genuinamente humana: amar.
Então, perpassando por cenas
que parafraseiam o personagem Pinóquio das histórias infantis, David (um
produto-filho-perfeito, um robô humano em fase experimental) vai se aventurando
por situações em diferentes ambientes, luxuosos ou degradantes, incutindo
charadas metafísicas ao expectador, como por exemplo: todos os desejos humanos
encontram satisfação no consumo de produtos disponibilizados no mercado? O amor
está inexoravelmente condicionado à perfeição para ser vivido a pleno? Qual o
limite entre o amor e a possessividade?
Em se tratando de
corporeidade, a cena do filme que poderia ilustrar a consciência necessária de
sua composição pode ser observada quando os robôs passam a compor uma espécie
de favela, às margens de um ferro velho, buscando pra si, partes que se
encaixam às suas estruturas corpóreas. Analisando apenas sob o caráter
descritivo desta sequência, incorremos num erro comum aos ambientes escolares:
a percepção existencial dos sujeitos condicionada
exclusivamente à sua materialidade, segundo padrões convencionais, cartesianos
e a-relacionais.
É interessante perceber que,
sendo frutos da criatividade, os robôs que aparecem ao longo do filme possuem, em sua estruturação física, traços ligados à
esperteza, a agilidade e a funcionalidade, mas sua existência consciente só se
concretiza nas ações interativas com o meio, tal qual acontece com os seres
humanos ao darem-se por conta da dimensão de sua corporeidade.
Este caráter interacionista
entre corporeidade e as percepções com o meio tem se revestido de gigantesca
funcionalidade no contexto globalizador dos dias atuais, nas mais diferentes
esferas sociais. Neste sentido, é fundamental que as instituições escolares procurem
pensar em formas de superação destas dicotomias entre corpo e mente, versadas
na constituição de seus parâmetros existenciais. A ideia de linearidade
perceptiva se torna completamente obsoleta ao passo que o corpo e seus
movimentos centralizam as reflexões filosóficas e científicas, traduzindo-se em
organizações transdisciplinares de diferentes áreas do conhecimento.
Ao contrário dos robôs onde o
processo de assimilação acontece por critérios mecânicos ou de aprimoramento, é
importante que a Escola dê-se por conta de que sua principal razão existencial
se fundamenta em seres humanos concretos, de corporeidades ativas, cujos
processos cognitivos e vitais devem ser concebidos como indissociáveis.
O ensino formal, concebido
enquanto contínuo processo de aprendizagem, reinventado nos retrocessos e nos
desafios, traduz-se em uma Escola que prioriza o fenômeno do conhecer enquanto
processo vital
E sobretudo, é importante
ter-se em mente que não há indivíduos perfeitos, de estratégicas de ação únicas
e lineares, que não envelheçam, que não adoeçam, que amem incondicionalmente,
como àqueles seres autômatos e futuristas que perfazem a história do filme,
tampouco as epopéias da vida real traduzem o eterno e irreversível “felizes
para sempre” dos contos de fadas.
A construção de uma escola sob
estes moldes é um processo gradativo, paulatino, onde a coletividade das ações,
seus encontros e intercâmbios, passa a ser fundamental para a sua real
efetividade.
REFERÊNCIAS
Filme : A.I. - Inteligência Artificial. Ano 2001. Direção Steven Spielberg. Tempo: 2:20 h
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